quarta-feira, 27 de abril de 2011

Conhecendo meu bebê


Sempre ouvi histórias maravilhosas sobre a sala de parto e a possibilidade de conhecer seu filho logo após seu nascimento, abraçá-lo, amamentá-lo. No meu caso nada foi como o esperado.
Apesar da tentativa da pediatra em me mostrar o Miguel na incubadora, não consegui vê-lo com tantos aparelhos ligados ao seu corpo.
Mesmo sem ser mãe (até aquele momento), já havia passado por muitas experiências em maternidade. Sou tia de quatro lindos sobrinhos e todos eles puderam permanecer com a família no quarto. A idéia de não poder estar com o meu bebê, me parecia muito estranha.
O dia 08 de agosto (dia após o parto) foi "o" grande dia. Depois de uma noite inquieta, levantei às cinco e meia da manhã para tomar banho. As enfermeiras entravam e saiam do meu quarto para realizar exames e procedimentos, mas só uma coisa me preenchia a mente: conhecer o Miguel.

Fui informada de que como era minha primeira visita a UTI, poderia entrar a qualquer hora, mas que depois teria um horário determinado. Queria subir o mais rápido possível, mas alguns cuidados pós cirúrgicos precisavam ser tomados.
Quando fui liberada subimos, eu e meu marido, para a UTI.
O ambiente de UTI sempre me foi muito familiar. Além de ter trabalhado por um período na UTI pediátrica de um hospital, não foram poucas as vezes em que acompanhei pacientes pra visitar parentes internados na unidade de terapia intensiva.
Mas agora era diferente. Eu não estava ali como psicóloga. Eu era mãe, e como mãe tinha muitas regras e obrigações a cumprir.
A primeira delas era o horário. Não poderia permanecer o dia inteiro ao lado do meu pequeno, muito menos dormir ao seu lado. Meu horário de permanência era das 9 às 21, já que meu bebê ainda não podia ser amamentado. Além disso, precisaria sair todas as vezes em que um procedimento fosse realizado, e posso dizer que foram muitos: rx, exames de sangue, troca de catéter, fisioterapia, entre outros.
Não era assim que havia imaginado as coisas, mas agora essa era a minha realidade.
Quando cheguei a UTI fui muito bem recebida pela equipe de enfermagem. Assim que me apresentei, fui encaminhada à sala 2, onde meu pequeno príncipe estava. Meu marido se ocupou de me apresentar nosso filho, que apesar de seu baixo peso e tamanho, já mostrava sua força.
Ele não precisou ser entubado e mesmo com apenas um dia de vida, já havia iniciado sua revolta com o CPAP, deixando-o fora de uma de suas narinas.
Posso dizer, sem exitar, que aquele foi o momento mais estranho da minha vida. Apesar da grande felicidade que sentia, tinha uma coisa que me incomodava. Mesmo com todas as controvérsias, sempre achei que estava no comando das coisas. Pela primeira vez, e infelizmente, não pela última, percebi o quanto eu era impotente e que não podia fazer nada pra mudar aquela situação.
Naquele momento o Miguel me ensinou uma grande lição. Eu não estava no comando. Eu não controlava tudo.




sexta-feira, 15 de abril de 2011

A hora dos esclarecimentos

As horas na sala de recuperação deveriam ser tranqüilas e relaxantes. No meu caso não posso dizer que foi assim. A ansiedade por saber notícias no meu filho era muito grande. Afinal, ele havia nascido 10 semanas antes do esperado.
Logo depois que meu marido retornou à sala de parto, ele foi chamado para realizar os procedimentos de internação do Miguel na UTI. Ainda não tínhamos conversado, então não pude entender o que estava realmente acontecendo.
Como não consegui ver o Miguel - apesar da tentativa da pediatra em me mostrá-lo - pensei que estavam me escondendo alguma coisa. Só pude saber a verdade quando retornei ao quarto, por volta da meia noite.
Quando cheguei, meu marido estava aflito, esperando por notícias minhas. Hoje chego a pensar que aquelas quatro horas em que ele ficou sozinho devem ter sido desesperadoras. Sempre tivemos uma relação muito forte e todas as decisões eram tomadas conjuntamente. De repente, ele teve que assumir a responsabilidade sozinho.
Assim que entrei, ele veio ao meu encontro. Me abraçou e com os olhos cheios de lágrimas, me disse que o Miguel era lindo. Perguntei então o que havia acontecido na sala de parto, já que ele foi retirado às pressas e eu só pude ouvir alguns palavrões.
Ele então me contou que no momento em que o Miguel foi tirado da minha barriga, ele estava com uma coloração escura e não se mexeu. A primeira coisa que ele pensou, é que ele havia nascido morto, então começou a se desesperar.
Quanto aos palavrões, ele me explicou que gritava XXXX, por quê meu filho não chora? Eu, fechada na sala, só pude ouvir a primeira parte da frase.
Disse ainda, que para acalmá-lo, levaram-no para uma sala ao lado e que quando ele entrou, ouviu nosso pequeno guerreiro aos prantos.
Miguel estava muito melhor do que imaginávamos. Apesar dos seus 39 cm e 1,430 Kg, não precisou ser entubado e teve APGAR (aquela notinha que o neném ganha no primeiro e quinto minuto depois do nascimento) 7 e 9. Que alívio! Sabíamos que as próximas 48 horas seriam muito importantes, mas tínhamos fé de que tudo ficaria bem.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A hora do parto: experiência única

Como vocês puderam perceber, a história do Miguel está longe de ser uma história previsível. Diante de tantos percalços o parto não poderia ser diferente.
O dia 07 de agosto de 2010 parecia mais um dia comum, como todos os outros no hospital. Acordamos, tomamos café e recebemos a visita de nossos sobrinhos para uma festa muito especial. Dia 7 é aniversário da minha querida afilhada e como estava internada, minha irmã providenciou tudo para que a festa pudesse ser feita no quarto do hospital.
Fizemos a maior farra. Depois que eles foram embora parecia que um furacão havia passado pelo quarto. Havia chocolate por toda parte.
Logo depois fomos levados a sala de exames, onde faria o meu acompanhamento diário. A médica já estava a nossa espera. Ela iniciou o exame e logo percebemos que algo estava errado: o exame havia piorado em relação aos dias anteriores.
Confirmando minhas descrenças em coincidências, naquele dia meu médico estava em um congresso, acompanhado do nosso geneticista e de uma das médicas da UTI da maternidade. Horas depois descobrimos que na hora em que a médica conseguiu localizá-lo, ele almoçava na companhia dos outros dois médicos.
Ainda não tinha encontrado minha mãe desde a minha internação. Quinze dias antes, ela havia sido submetida a uma cirurgia pra retirada de câncer no rim. Sua locomoção ainda estava dificultada e ela não poderia passar muito tempo sentada no carro. Como o trânsito de São Paulo é sempre uma caixinha de surpresas, ela combinou que me veria no sábado.
Uma hora depois meu médico chegou ao hospital. Com toda sua sabedoria e calma, entrou no quarto e nos esclareceu de todo o risco que o pequeno Miguel poderia correr e que ele teria mais changes fora do útero. Eram duas horas da tarde e o parto foi marcado para as sete. Naquele momento entrei em desespero. Eu e minha mãe nos demos as mãos e começamos a rezar.
As horas passavam e a ansiedade tomava conta do meu corpo e mente. Além da minha preocupação com o parto, estava muito preocupada com a saúde dos meus pais. Tinha muito medo que eles passassem mal com todos os imprevistos. Minha mãe, mesmo com dores, disse que não sairia do meu lado até a hora do nascimento. Meu pai, com toda sua fé, tentava nos acalmar.
As seis horas começaram os preparativos para a cesárea. Enquanto a enfermeira me preparava, ouvi uma grande movimentação do lado de fora do quarto. Alguns amigos sem saber de nada resolveram nos visitar e foram surpreendidos com a notícia do nascimento. Pedi a eles que permanecessem até o final da cesárea e que acolhessem meus pais no caso de alguma emergência.
Fui para a sala de parto e fiquei muito tranquila ao ver todos eles do lado de fora (naquelas janelas especiais) rezando e torcendo por nós. Por se tratar de um parto de risco e de um bebê muito prematuro, meu obstreta havia informado que além do meu marido, ninguém poderia assistir ao parto. Pelo  mesmo motivo não poderíamos fotografar e nem filmar. Para tranquilizar a minha mãe, foi combinado que quando o Miguel nascesse ele abriria a janela para mostrá-lo antes de levá-lo para a UTI. Não sei o que aconteceu logo depois, e em que momento esse combinado foi mudado, mas quando me dei conta todos estavam assistindo ao parto. 
As camadas de pele começaram a ser rompidas e o momento de conhecer meu pequeno anjo se aproximava. Mas, novamente indo contra as expectativas, os planos do Miguel eram outros. Na hora de sua retirada ele fez uma manobra muito incomum e ficou atravessado dentro da barriga, começando a sair de lado pelo braço.
A cena de dois homens apertando a minha barriga e metade do braço do obstreta dentro do meu corpo foi assustadora. Depois de muitos rodopios, que resultaram em três voltas do cordão umbilical no pé direito do Miguel, ele nasceu.
Um silêncio tomou conta da sala e a única reação que consegui ter foi perguntar ao médico se meu filho estava vivo. Nesse mesmo momento, meu marido começou a passar mal de desespero e foi tirado da sala.
Não sabia o que estava acontecendo, mas pude me acalmar quando meu marido voltou para a sala e me informou que o Miguel era um bebê forte e estava chorando. Aquelas palavras foram música para meus ouvidos. Inesquecíveis!

A vida nos prepara (parte 3)

Não posso continuar a contar essa história, sem antes apresentar algumas personagens mais do que especiais que fizeram toda diferença nos capítulos a seguir.
Já apresentei anteriormente as duas pessoas que mais nos apoiaram e acolheram durante todo o processo de diagnóstico: minha mãe e meu pai. Posso dizer também que fomos surpreendidos com a quantidade de verdadeiros amigos que descobrimos durante todo esse percurso. Pessoas que doaram todo o seu amor pra cuidar de nós.
Mas nesse momento, preciso falar de duas pessoas em especial que foram e são diretamente responsáveis pelo sucesso em todo tratamento do Miguel.
Alguns anos atrás, ainda na faculdade de psicologia, uma professora que gostou de um trabalho apresentado pelo meu grupo, convidou a mim e a uma amiga a desenvolver um projeto de iniciação científica na área de álcool e drogas. Apesar de gostar do trabalho com crianças, durante toda formação experimentei várias áreas de atuação, o que com toda certeza contribuiu muito para o meu desenvolvimento pessoal e profissional.
Aceitamos o trabalho e quando percebemos, o assunto começou a tomar conta de nossas vidas. Começamos a ser chamadas a apresentar palestras e recebemos até uma menção honrosa pelo trabalho realizado, que por sua importância acabou sendo estendido por 3 anos. Depois disso, começei a desenvolver trabalhos também nessa área.   
Em um desses trabalhos, no instituto de psiquiatria do hospital das clínicas, conheci aquela que hoje é o meu maior exemplo de profissional e mãe. Uma mulher de muita fibra, caráter, carisma, que consegue, com muita excelência, conciliar seu trabalho como psicóloga com sua vida de mãe. De uma grande chefe, tornou-se uma grande amiga, que acredita no meu trabalho e que está sempre disponível pra me aconselhar e orientar. Uma pessoa tão diferenciada que só poderia ter um nome a altura: Solveig. Assim como ela, um nome único.
Começei a receber muitos pacientes indicados por ela. E, em uma dessas relações profissionais, tive o meu primeiro contato com aquela que seria, anos depois, o maior anjo da guarda na terra do pequeno Miguel. A princípio foi um contato comum, mas me chamou a atenção a dedicação e o interesse daquela profissional com o bem estar do paciente em questão.
Hoje em dia é mais comum desenvolvermos trabalhos multidisciplinares, mas na mentalidade de muitos médicos, o trabalho do psicólogo é descartável, sem importância. Não para aquela pediatra. Fui tratada como igual. Se não estiver enganada, esse contato aconteceu em 2006. Nem podia imaginar que quatro anos depois nossas vidas novamente se cruzariam.
Quando fui internada na maternidade pra tentar cuidar da saúde do meu bebê, avisei a minha amiga que passaria um tempo "fora do ar". No mesmo minuto, ela me disse que entraria em contato com uma amiga que era pediatra da UTI daquela maternidade.
No mesmo dia recebi um telefonema da tal pediatra. Ela me falou que já estava informada do meu caso e que eu ficasse tranquila que ela, pessoalmente, cuidaria para que tudo desse certo. Essa foi a primeira promessa que ela me fez.
Nascendo o Miguel fora do prazo esperado e sem aviso prévio - ficamos sabendo do seu nascimento algumas horas antes - ela não conseguiu chegar ao hospital a tempo, mas se certificou de que no momento do nascimento haveria alguém capacitado pra receber o Miguel.
Antes do nascimento, ela me deixou a par de tudo que aconteceria: já sabia os médicos que estavam de plantão, os horários em que ela estaria no hospital, quem cuidaria dele até a sua chegada. Depois, passei a acompanhar todo o desenvolvimento dele naquelas que seriam as horas mais importantes de sua vida até seu quadro se estabilizar.
Acho que estava tão atordoada com toda aquela situação que nem havia parado pra analisar as peças desse quebra cabeça. Como sei que elas tem uma relação muito especial, pensava que se tratava de uma ajuda de amigas. Hoje eu sei que não foi nada disso! Aquela pediatra que me tratou como igual e que deu atenção às minhas orientações, agora era responsável pelo bem estar do meu filho. Quando pude juntar essas peças tive a certeza de que o Miguel não poderia estar em melhores mãos. Miguel naquele momento ganhou um anjo guardião na terra: Dra. Renata.
Durante 90 dias ela cuidou pra que tudo acontecesse da melhor forma possível. Sua dedicação ultrapassou todos os limites profissionais. Ela não cuidava só do Miguel. Ela cuidava de mim e do meu marido, ouvia nossas angústias, acalmava nossa aflição. Posso dizer que ganhei muitas coisas em nossa estadia na UTI, mas uma das mais importantes, além da recuperação e saúde do meu pequeno guerreiro, foi a amizade dessa grande mulher.
A vocês, Sol e Rê, nosso muito obrigada. Vocês fazem parte dessa história. Amamos vocês.



Por quê???

Tenho acompanhado o noticiário sobre a tragédia no Rio de Janeiro e percebo que todos os canais tem tentado, de várias maneiras, encontrar respostas que expliquem ou justifiquem o ocorrido.
Fiquei pensando como no nosso caso não foi diferente. Por quê será que o ser humano tem essa necessidade de encontrar os por quês diante de situações que não controlamos?
Quando soubemos do diagnóstico nossa cabeça entrou em parafuso. Junto a isso, quando contávamos pra algumas pessoas, percebíamos o olhar diferente, querendo saber quem era o "culpado" por tal acontecimento. Muitos amigos ficavam envergonhados, mas no final chegavam a mesma pergunta: por quê?
Muitas perguntas eram feitas: tem algum caso na família? quantos anos você tem? você tomou algum remédio na gravidez? Incrível como a necessidade de resposta era algo que tomava conta, não só dos nossos pensamentos, como também de algumas pessoas que nos cercavam.
Eu mesma não conseguia entender. Estou longe de ser perfeita. Aliás, pra quem me conhece bem sabe que passei longe da fila da perfeição. Mas sempre acreditei que estava contribuindo pra humanidade e que seria recompensada por isso. Afinal sempre estive disponível pros meus amigos e familiares, dou aulas de catequese, sou ministra da Eucaristia, faço trabalhos voluntários... não está bom? Então por quê comigo? 
Posso dizer que todos os dias eu e o meu marido tentávamos, sem sucesso, encontrar essa resposta.
Como nos dito por um homem muito sábio, não precisávamos entender o que estava acontecendo. Precisávamos aceitar. Aceitar que o Miguel estava a caminho, que ele havia nos escolhido - e, com certeza, nós a ele - e que ele mudaria a forma como viveríamos a nossa vida.
Por ser uma criança especial, o pré natal do Miguel exigiu alguns cuidados especiais. Algumas idas a mais ao médico e o atendimento por especialistas: geneticista, cardiologista... A cada consulta que passava parecia que além de mais felizes com o desenvolvimento do Miguel, ficávamos mais confusos. Apesar do cariótipo confirmar o diagnóstico, todos os outros sinais que confirmavam a síndrome não estavam presentes: Miguel tinha o osso nasal normal pra idade gestacional, era um bebê grande, não apresentava cardiopatia (pelo menos aquelas mais graves e passíveis de serem diagnosticadas intra útero).
Posso dizer que esses sinais acabavam alimentando uma esperança, a de o resultado do exame estar errado. Junto a isso, muitas histórias começavam a ser contadas. Sempre tínhamos um amigo que conhecia um caso em que o resultado dava positivo, mas a criança nascia normal. Acho que essa era a forma de nós e dos que nos cercavam tentar aliviar a situação, afinal ela podia não ser totalmente verdadeira.
Enquanto isso o tempo passava e cada dia o nascimento do Miguel ficava mais próximo. A Síndrome sempre tomava mais atenção do que o necessário. Na preparação do enxoval alguns cuidados começaram a ser tomados, todos voltados para as necessidades especiais de nosso pequeno bebê. Tudo parecia caminhar como esperado.
Dia 02 de agosto fizemos o exame do 7o. mês. Chegamos eufóricos ao consultório, sabendo que aquele dia seria mais um dia mágico em que tentaríamos ver o rostinho do Miguel, que sempre nos surpreendia durante os exames virando de costas (já demonstrando que as coisas aconteciam conforme a vontade dele e não nossa). 
O que ouvimos naquele dia não estava nos nossos planos. Minha placenta havia amadurecido mais do que o normal e o fluxo de oxigênio do cordão umbilical estava reduzido podendo prejudicar o desenvolvimento do bebê. Nosso geneticista, sempre cauteloso, pediu que voltássemos no dia seguinte para uma nova avaliação.
Voltei pra casa aos prantos. Lidar com a idéia de nosso bebê ter uma síndrome era difícil, mas estávamos trabalhando para aceitar esta questão. Mas nada indicava que ele seria prematuro. 
No dia seguinte refizemos o exame e o diagnóstico temido foi confirmado. As coisas não estavam bem e precisaríamos redobrar os cuidados. Fui internada imediatamente, com a intenção de monitorar diariamente o bebê pra evitar possíveis danos. 
Fomos informados de que permaneceríamos pelo menos um mês no hospital, tentando postergar ao máximo o dia do nascimento. Porém, quatro dias depois, dia 07 de agosto às 19:51 nascia nosso maior tesouro. Indo contra todas as expectativas Miguel já estava entre nós. Nesse momento a resposta de nossa maior pergunta (Por quê?) parecia desnecessária. Não vou ser mentirosa e dizer que nunca mais pensamos nisso, mas nesse momento essa pergunta foi transformada e passamos a pensar em pra quê?

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A pergunta que não quer calar: vocês terão esse bebê?

Receber o diagnóstico de uma síndrome não é fácil. Hoje posso escrever tudo isso pois já passei pelo meu período de luto. Luto pelo filho idealizado. Aquele que irá cumprir com todas as nossas expectativas. Médico? Advogado? Que caminhos seguirá? Quantas línguas falará?
Mesmo diante da tristeza, nunca me passou pela cabeça interromper minha gravidez. Mas sempre fiquei intrigada com a quantidade de pessoas que me perguntavam: você vai ter esse bebê?
Longe de mim parecer moralista ou julgar aqueles que são a favor do aborto. Cada experiência é única e não pode ser analisada por ninguém que não esteja vivendo a situação, mas nunca imaginei que esse assunto fosse falado tão abertamente.
Até onde eu sabia, porque hoje vejo tudo isso de forma diferente, o aborto no Brasil é ilegal e não deveria ser "oferecido" tão facilmente.
Hoje, tentando encontrar uma explicação pra tudo que vivemos, chego a conclusão de que o ser humano não foi criado pra lidar com a diferença. Na nossa cultura, ser diferente está sempre relacionado a ser pior, ser inferior.
Acho que as pessoas se esquecem de alguns exemplos que vão contra essa regra. Até onde eu sei, Einstein não era a pessoa mais normal do mundo. O homem mais poderoso do mundo hoje é um negro. Até o policial que conseguiu evitar uma tragédia maior no rio tá com uns quilinhos a mais. E daí?
Alguns psicólogos de plantão podem pensar que esse tipo de pensamento é compensatório, uma projeção pra que eu não entre em contato com as limitações do meu filho.
Posso dizer com muita tranquilidade que conheço e reconheço as limitações do Miguel e com isso me tornei uma pessoa muito mais feliz.
Não sei se poderia contribuir pro meu filho ser um médico, até por que entendo muito pouco de medicina. De direito então, nem se fala. Se eu for repensar minha trajetória escolar, ela não foi das melhores. Sempre gostei de ir a escola, mas não posso dizer que gostava de estudar, uma paixão que só descobri na faculdade.
Mas tem uma coisa que eu entendo e que eu sei que poderei ajudar muito o Miguel: ser feliz e acima de tudo ser amado. E não deveria ser esse o desejo de toda mãe? Será que isso não basta?
Posso não contribuir no mundo com um filho que descobrirá a cura do câncer ou do HIV. Mas tenho a certeza de que contribuirei para um mundo mais feliz, mais inocente, mais ESPECIAL.

sábado, 9 de abril de 2011

O momento da notícia: o diagnóstico de Síndrome de Down

Dia 07 de abril de 2010 é um dia inesquecível para nós. Naquele dia faríamos o primeiro ultrassom morfológico do pequeno Miguel. Pela primeira vez, além de ouvir o coração, conseguiríamos ver melhor nosso pequeno anjinho.
Estava com 13 semanas de gestação e pedimos que meus pais nos acompanhassem, para compartilhar aquele momento. Como sempre, eles mostraram disponíveis e nos encontraram no laboratório. Quando nos encontramos, mal sabíamos que a presença deles faria tanta diferença naquele dia.
O exame teve início e pudermos ver o Miguel, com seus 3,5 cm de comprimento, como sempre tentando se esconder. O médico iniciou todas as medições, até que começou a refazer a translucência nucal. Ele mediu por 3 ou 4 vezes antes de dizer que talvez tivéssemos um problema. Falou que ainda era cedo pra confirmar, mas que aquela alteração podia indicar que o neném tivesse alguma síndrome.
Naquele momento, e até hoje não sei explicar por quê, sabia que o Miguel era portador da Síndrome de Down. Apesar do exame indicar que o risco era de 1:16, sabia que aquele seria o 1.
Meus pais nos acolheram diante de nossas lágrimas. Até hoje não sei o que minha mãe falou para o meu marido do lado de fora do laboratório, mas sou grata a ela por ter feito com que ele vivesse aquela experiência de uma forma positiva.
Saímos de lá e fomos encaminhados ao geneticista. O cariótipo só veio reforçar a minha certeza. Conclusão: trissomia simples do cromossomo 21.
Estima-se que 1 em cada 600 bebês apresentam a trissomia simples do cromossomo 21. Uma alteração que acontece durante a divisão celular e que não tem ligação, no nosso caso, com nossa carga genética.
Mais uma vez pude confirmar aquilo que mencionei anteriormente: durante toda a minha vida havia sido preparada para chegada do Miguel.

A magia do ultrassom

Pra qualquer mulher, receber o resultado do exame de gravidez é uma emoção muito grande, mas nada se compara a emoção de ouvir o batimento do coração do neném pela primeira vez.
Vivi essa emoção pela primeira vez no dia 03 de março de 2010. A vontade e ansiedade em ver aquele pequeno serzinho que se formava, tomava conta de meu coração.
O tempo na sala de espera parecia não passar, e apesar de eu ser a grávida com menor tempo de gestação (as barrigas das demais grávidas eram gigantes) eu me sentia o máximo alisando minha barriga - que ainda nem existia.
Estava com 8 semana de gestação e não me aguentava de tanta felicidade. Quando o médico nos chamou (tive o privilégio de ter meu marido me acompanhando em todos os exames) minhas pernas balançaram e me dei conta de que conheceria, a partir daquele momento, aquele que seria o maior amor da minha vida.
O exame teve início e o médico pareceu um pouco inquieto, já que não conseguia localizar o bebê (mal sabíamos que esta seria a primeira de muitas traquinagens do nosso pequeno Miguel).
Depois de muito procurar, chegou o momento tão esperado. Lá estava ele, nosso pequeno herdeiro. Um pequeno embrião de 1,66 cm, mas que já mostrava sua força com seus 165 batimentos por minuto.
Posso dizer, sem hesitar, que aquele foi um momento mágico. 
Naquela mesma semana,  no dia 08 de março, uma nova emoção: o resultado da sexagem fetal. Vale acrescentar aqui que a ansiedade da minha família é geral. Minha mãe, como sempre muito organizada, queria iniciar o enxoval e precisava, o quanto antes, saber o sexo do bebê. 
Confesso que essa foi a melhor desculpa que eu tive, já que eu mesma não me aguentava de curiosidade. Miguel ou Helena, quem era aquele ser tão esperado?
Depois de receber a notícia não me aguentei. Mesmo dizendo que não sairia espalhando pra ninguém, não consegui me conter: Miguel estava a caminho e a notícia precisava ser espalhada e muito comemorada.
Nesse momento vale um parêntes:
(A escolha do nome do neném não é uma tarefa fácil, mas pra nós foi moleza. Sempre que pensávamos em nome, pensávamos no que aquele nome representaria. Pra nós duas pessoas representam tudo o que queríamos como qualidade nos nossos filhos - força, caráter, amor, entrega, dedicação, fé, entre muitas outras - meu pai e minha mãe. Esta seria uma homenagem muito justa àqueles que são nossa maior força.)
Na semana seguinte, dia 13 de março, mais um susto. Durante uma ida ao banheiro vi todos os meus sonhos se desmoronarem. Um pequeno sangramento me fez pensar que aquele seria o último capítulo dessa nova história da minha vida. Fui levada para o hospital pela minha grande amiga Natália que, como eu, curtia cada momento de minha gravidez.
Novamente pude perceber a dificuldade do médico em localizar o neném, mas lá estava ele, meu pequeno Miguel, medindo agora 2,5 cm.



quarta-feira, 6 de abril de 2011

Sim, estou grávida!

Aquele parecia um final de semana como outro qualquer, exceto por um detalhe: minha irritabilidade e o excesso de idas ao banheiro.
Meu marido já havia brincado dizendo que eu estava grávida, mas não achava ser possível após uma única tentativa. Depois de uma longa briga com meu marido (sem nenhum motivo aparente) cheia de paradinhas para um "pipi", recebi o telefonema de minha mãe, pedindo para que eu acompanhasse minha avô ao hospital.
Era domingo, 31 de janeiro de 2010. Minha avô foi atendida e ficaria algumas horas no hospital recebendo medicação. Logo após a aplicação do medicamento, minha avô, que estava cansada pelo mal estar, adormeceu. Como eu não podia permanecer junto a ela na sala de medicação, resolvi dar uma volta pelo hospital.
Andando pelos corredores vi as setas que indicavam para o setor de ginecologia. Tentada pela ansiedade e vontade de ser mãe, resolvi verificar a suspeita de meu marido.
Fui atendida pela Dra. Fernanda, que solicitou o exame de sangue e pediu que eu retornasse dentro de 1 hora. Como minha avô ficaria muito mais tempo em repouso, conseguiria pegar o exame.
Uma hora depois eu estava lá... à espera do exame. A enfermeira me perguntou se eu gostaria de falar com a Dra., mas falei que não seria necessário, só queria saber o resultado. A mesma me entregou o papel, mas me convenceu a esperar pela médica. 
Quando peguei o resultado, a frustração foi imediata.
Meu Beta HCG havia dado 17,8 mUI/ml e logo abaixo do resultado uma indicação: mulheres grávidas, superior a 25mUI/ml. Conclusão: não grávida, certo??? Errado.
Quando entrei na sala avisei a médica que o exame havia dado negativo, já que o número era inferior ao esperado para mulheres grávidas. Quando a mesma viu o resultado começou a rir e me explicou, com toda paciência do mundo, que eu estava enganada. Que o Beta HCG é um hormônio produzido apenas por mulheres grávidas e que o número abaixo do esperado mostrava que eu estava bem no início da gravidez.
Naquele momento uma onda de emoções invadiu o meu corpo. Eu ria, chorava, tudo ao mesmo tempo. Me senti meio zonza, como uma barata que recebe uma dose de veneno, que vai de um lado para outro sem rumo.
Estava transbordando de felicidade, mas não sabia o que fazer com aquela informação. Queria que meu marido fosse o primeiro a saber, mas ele estava na missa e o celular estava, obviamente, desligado.
Minha avô se recuperou e voltamos pra casa. Logo meus pais perceberam minha inquietação e perguntaram o que estava acontecendo. Nesse momento começei a ligar pro celular de todos os nossos amigos que estavam na missa. Como a missa já havia terminado consegui falar no celular do nosso grande e querido amigo Mauro e pedi para que o meu marido fosse me encontrar na casa de meus pais.
Assim que ele chegou, também percebeu que algo estava acontecendo... Fomos até o meu antigo quarto e dei a notícia... Estou grávida! Nos abraçamos e começamos a chorar. No mesmo momento meus pais se juntaram a nós num abraço caloroso e num momento de muita emoção.
Depois de ser tia de 4 lindos sobrinhos, havia chegado o meu momento mágico... ser mãe... gerar o meu próprio bebê.

A vida nos prepara (parte 2)

Para aqueles que acharam a primeira parte desta história um conjunto de coincidências, segue um pouco mais do que chamo de providência.
No segundo semestre de 2009 resolvi voltar a estudar. Procurando que curso e onde fazer, encontrei um curso de especialização sobre psicologia da criança. O curso tinha como foco o atendimento a crianças e famílias em situação de internação e ambulatório e me pareceu bastante interessante. Só havia um único problema: o prazo de inscrição já havia encerrado. Como aprendi muito com meus pais a não desistir facilmente, resolvi tentar aquilo que aparentemente não parecia possível: a inscrição por telefone e fora do prazo. Assim que liguei fui atendida por uma funcionária muito simpática. Indo contra toda minha expectativa, consegui fazer a inscrição, o primeiro passo em busca de uma nova formação. Depois, ainda teria que passar por todo processo seletivo: prova escrita, dinâmica de grupo e entrevista individual. 
Confesso que não apostei muito que daria certo. Principalmente quando entrei na sala de prova e vi um grupo de meninas, todas com livros e lista de bibliografia na mão, discutindo alguns temas que cairiam na prova. Naquele momento tive vontade de virar as costas e ir embora. Parecia que aquele mundo não me pertencia. Eu parecia tão mais velha do que elas, e já não me via mais com toda essa disponibilidade.
Para encurtar esta parte, acabei sendo uma das 9 meninas selecionadas a fazer o curso. Em agosto de 2009 iniciei aquele que seria mais um passo importante do meu quebra cabeça da vida. No sorteio dos grupos, fui selecionada para iniciar os atendimentos no Hospital São Paulo. Passaria pela cirurgia pediátrica, UTI pediátrica e pediatria geral.
Meu primeiro dia no hospital foi muito intenso. Ver aqueles pequenos bebês lutando pela vida não foi nada fácil. Mas teve um paciente em especial que me chamou a atenção. Era um pequeno bebezinho com síndrome de down, que já havia sido internado por diversas vezes e em todas elas, os médicos acreditavam que ele não aguentaria. A mãe, uma menina de pouco mais de 20 anos, transbordava confiança e não desanimava. Não sei que final esta história teve, mas durante os seis meses em que freqüentei o hospital, o pequeno guerreiro ainda lutava, entre internações e altas, por sua vida.
Quando engravidei, no início de janeiro, São Paulo enfrentava uma grande epidemia de H1N1. As mulheres grávidas se tornaram alvo e a atenção pra este grupo deveria ser redobrada. Sendo o hospital São Paulo um dos hospitais de referência para o atendimento desses casos, pedi o meu afastamento do curso, com medo de prejudicar de alguma forma o meu pequeno bebê. Mas me lembro do meu último atendimento: ajudar uma mãe, com seu pequeno filho internado à espera de cirurgia cardíaca, a aceitar o diagnóstico da síndrome de down.
Obviamente que naquele momento eu não me dei conta dos passos que Deus estava escrevendo pra mim, mas hoje, tudo faz sentido!
Dois meses depois o diagnóstico: Miguel tem síndrome de down.

A vida nos prepara (parte 1)

Antes de falar do momento atual, gostaria de contar um pouco um pouco da minha história, que muito me ajudou a lidar e enfrentar o que a mim estava destinado. 
Ingressei na faculdade de psicologia no ano de 1999. A escolha pelo curso envolvia minha grande vontade de trabalhar com crianças especiais. Por quê? Nem eu sabia bem responder essa resposta (até a minha gravidez). 
No terceiro ano de faculdade começei a fazer parte do Projeto Inclusão, que tinha por objetivo o atendimento psicológico de crianças com síndrome de down. Os anos que se seguiram foram muito voltados para este projeto, até o seu término, no ano de 2005.
Durante todo o projeto conheci muitas pessoas especiais, mas duas delas com certeza se tornaram o meu maior exemplo. 
Em primeiro lugar Cecília. Professoram fundadora do Projeto Inclusão e mãe do Lu, um menino com síndrome de down que não só demonstrava sua vontade pela vida, mas como também, mostrava como era possível quebrar barreiras (o Lu trabalha todos os dias, ganha seu salário e contribui nas despesas da casa).
Por conta dos atendimentos, conheci aquela que seria, anos depois, minha maior inspiradora. Acho que nem ela sabe disso, mas espero que ela possa saber disso lendo este depoimento. Seu nome é Glória e é mãe de uma menina mais do que especial, a Gabi.
Atendi a Gabi durante três anos e pude acompanhar ao longo desse período toda dedicação e amor de sua mãe. Tive a honra de fazer o meu trabalho de conclusão de curso com as duas, debatendo o vínculo das duas diante da notícia da síndrome de down. Nunca imaginei que anos depois deixaria de ser uma espectadora desta história e passaria a ser a protagonista.
Essas duas mulheres tinham (e ainda tem) uma coisa em comum: o amor incondicional pelos seus filhos e a vontade de inserí-los em uma sociedade melhor, sem preconceitos.
Antigamente, as crianças com síndromes eram escondidas, tidas como aberrações. Hoje em dia, graças a mulheres como Cecília e Glória, elas conquistaram espaço entre aqueles tidos como "normais". 
Hoje, mais do que abraçar a causa da síndrome de down como profissional, abraço essa causa como mãe e tenho o maior orgulho de exibir as conquistas do meu filho. Um herói, que passou 90 dias na UTI lutando pela vida (pela sua prematuridade) e que aos 6 meses se mostrou guerreiro ao passar por uma cirurgia do coração.
Dizer que foi fácil é mentira. Foi e está sendo uma luta diária. É difícil abrir mão de nossos sonhos, expectativas e tudo o que envolve o nascimento do primeiro filho. Mas está sendo um mundo de descobertas, de novas possibilidades.
Parece que as peças da minha vida começaram a se encaixar...

O começo dessa história

As histórias contadas neste blog, tiveram início em janeiro de 2010 quando engravidei. A vontade de ser mãe me acompanhou por toda minha vida, mas foi concretizada no dia 31 de janeiro, quando recebi o resultado do meu teste de gravidez.
De lá pra cá as coisas nunca mais foram as mesmas.
Foram diferentes do que o planejado.
Cada dia tornou-se uma lição de vida, que decidi partilhar com as pessoas. Não tenho a intenção de me tornar um exemplo pra ninguém, nem mesmo que as pessoas me elogiem pelo meu trabalho (que é o básico de qualquer mãe). O objetivo deste blog é dividir momentos difíceis e importantes de minha vida, que contaram com o apoio de familiares e amigos espetaculares.